Fernando Russo 08/12/2022

God of War: Ragnarök

Cover
Ano

2022


Publisher

Sony Interactive Entertainment


Developer

Santa Monica Studio


Gênero

Jogo eletrônico de ação e aventura, RPG eletrônico, Jogo eletrônico de tiro, Jogo eletrônico de luta, Hack and slash


Plataformas

Playstation 5, Playstation 4

Segure suas emoções, garoto. Você vai precisar.

Sem desculpas, Só melhore.

Sabemos que o Santa Monica Studio estava pensando em espalhar a nova saga de Kratos em uma trilogia que espelharia as aventuras originais do deus vingativo (apesar de termos, com este, 11 jogos da saga, sendo 2 pra celular e um exclusivo do Facebook, uma aventura de texto que conta a primeira aventura de Atreus). Vale a pena mencionar isso porque God of War: Ragnarök parece que poderia ter sido dividido ao meio e vendido como duas partes separadas (coisa que se o jogo fosse da Square, teria sido feito). Ele absolutamente supera o God of War de 2018 de todas as maneiras possíveis, e ousamos dizer que outros desenvolvedores e, de fato, editores, podem ter até pressionado o estúdio por essa trilogia, dada a escala deste projeto.

Mas não, o Santa Monica Studio entregou um jogo que faz seu já excelente antecessor parecer um prólogo. Tanta coisa acontece em Ragnarök que, quando os créditos rolam, é difícil não se sentir cansado pela viagem, mas um cansaço bom, recompensador. É um título verdadeiramente incansável em termos de visão criativa, e podemos apenas imaginar a quantidade de esforço que foi necessário para criar um jogo tão incrível e, ainda, o que deve ter sido deixado de fora.

Isso não quer dizer que Ragnarök seja um monstro de 200 horas, mas a maioria dos jogadores levará cerca de 50 horas ou mais para ver tudo o que está escondido em seu mundo impressionantemente detalhado - e estimamos que cerca de 30 dessas horas são gastas fazendo coisas da história principal. O mundo é vivo, há arvores, ambientes, criaturas, atmosfera, tudo exclusivo a cada um dos 9 reinos, nenhum se parece com o outro, e realmente há a sensação que a vida ali independe de você estar lá ou não, ela segue.

Mais uma vez, porém, é o escopo do jogo que beira o alucinante - é um título que está constantemente se superando. Quando você pensa que está se aproximando de algum tipo de conclusão, isso o leva a algo completamente novo, e a sensação de admiração e de surpresa jamais diminuem.

Intenções não importam. Só as consequências.

Claro que esta sequencia tão bem feita também se deve, em grande parte, a base sólida e firme sobre a qual foi construída. Estruturalmente, é muito semelhante à excursão nórdica inaugural de Kratos: você estará mais uma vez viajando entre os nove reinos, atravessando locais lineares e mais abertos, que abrigam uma mistura equilibrada de encontros, combate e quebra-cabeças ambientais. Algumas áreas também abrigam missões secundárias e, é claro, muitos segredos e colecionáveis.

À primeira vista, você seria perdoado por pensar que Ragnarök é apenas uma expansão de God of War de 2018. Honestamente, estávamos pensando o mesmo durante a abertura do jogo, mas não demora nada pra que isso se prove errado, pra nossa total alegria. Acontece que a Sony mostrou apenas uma fração do que Ragnarök tem a oferecer, o que é quase insano num mundo de entretenimento que faz, não raro, recortes das suas melhores cenas num trailer ou teaser para vender o produto principal, que acaba tendo seu brilho roubado por isso. A Sony não, ela guardou muita coisa, manteve só no jogo, então recomendamos que você jogue essa saga sem preconceitos e de mente e coração abertos, você ira se surpreender com a miríade de sentimentos que serão jogados em sua direção, tão certeiros quanto as flechas do Atreus ou o Leviathan nas mãos de Kratos. Ah, e fuja dos spoilers de internet, não estrague sua experiência.

Falando em spoilers, obviamente não vamos estragar nada nesta matéria, nem vamos detonar sua experiência, queremos te deixar apenas mais preparado pra ela, e com mais vontade ainda de voltar às terras gélidas do norte.

Situado alguns anos após os eventos de God of War de 2018, Kratos e seu filho, agora um adolescente (e insuportável como um) Atreus se encontram vivendo uma rotina. Midgard, o reino em que eles vivem, está nas garras de um inverno sem fim, o fimbulwinter, um período de "três invernos sucessivos, sem nenhum intervalo de verão", durante os quais a neve cai incessantemente, vinda de todas as direções, e uma série de inúmeras guerras assola a humanidade, levando irmãos a matar irmãos (como eu sempre digo aqui, Player Select também é cultura), e Kratos, quase paralisado pela indecisão, faz com que essa rotina seja excruciante para Atreus, que treina todos os dias e se prepara para quando o Ragnarök vier, ou para quando a profecia do final de God of War de 2018 se concretizar.

É uma abertura tensa que logo explode em ação, e a trama se torna uma bola de neve a partir desse ponto. O ritmo é algo fantástico - mesmo com muitos momentos mais calmos espalhados - e isso se deve em grande parte ao jogo ter um elenco muito maior, mais bacana e mais engajado de personagens secundários. Na verdade, esta não é mais a história de Kratos e Atreus (e de Mimir), se torna, no ritmo certo, algo muito maior, muito além dos protagonistas apenas.

Não nos escondemos. Nos preparamos para uma luta para a qual ainda não estamos prontos.

Como esperamos de um jogo first party e single player da Sony, God of War é um show a parte, a apresentação narrativa é de um padrão incrivelmente alto, num padrão que deixa muitas narrativas hollywoodianas no chinelo. Ragnarök continua com o estilo de direção do primeiro jogo. A captura de movimentos foi primaz e conta com uma equipe absolutamente talentosa. Os dubladores do título, tanto em inglês (com Christopher Judge como Kratos e Sunny Suljic como Atreus, que também são os atores originais de motion capture dos protagonistas do jogo) como em Português (com Ricardo Juarez como Kratos, e Lipe Volpato como Atreus) são primazes. É quase impossível não associar as vozes deles com os personagens, é aquele tipo de coisa indissociável, sabe? Como se fosse o casamento perfeito entre a voz, a atitude, a cena e o personagem.

Aliás, a título de curiosidade apenas, quem dubla o Kratos em japonês é o Kenta Miyake, o mesmo dublador do All Might em Boku no Hero Academia, Scar em Fullmetal Alchemist: Brotherhood, Muhammad Avdol em JoJo's Bizarre Adventure: Stardust Crusaders e Bane em Batman Ninja dentre um monte de outros, já o Atreus ganha a voz de Tomo Muranaka, dubladora de diversos animes e games, como RE: Village, Final Fantasy XIV Online: A Realm Reborn, Monster Hunter: Generations, FFVII e Concrete Genie.

Em particular, muitas das interações entre os personagens principais parecem impressionantemente orgânicas, os diálogos são muito bem feitos e há uma gama extremamente diversa de linhas de fala, e isso torna o conto todo tão fantástico, e ao mesmo tempo crível e envolvente. Também é importante lembrar que apesar destes serem os dubladores de maior destaque - pudera, dublam os personagens de maior destaque na trama - o trabalho de dublagem com todos os personagens é primaz. A iteração com os secundários dá o tom da trama, sem exageros.

Ragnarök é uma jóia cinematográfica, mas dizer que é como um filme seria prestar um péssimo serviço à jogabilidade de primeira linha do título, e reduzir o jogo a uma obra audiovisual bem mais limitada. Como mencionamos anteriormente, tudo é exatamente como os jogadores que retornam do primeiro título da aventura nórdica se lembram; em vez de começar de novo, o desenvolvedor basicamente ramificou as coisas em todas as direções, retomando quase de onde termina o anterior, com uma certa passagem de tempo muito bem vinda adicionada ali. Tanto dentro quanto fora do combate, Kratos recebe uma variedade de novos brinquedos de furar moletom (salve Racionais), adicionando profundidade significativa em todos os aspectos ao gameplay. Mas mesmo que você não esteja familiarizado com o primeiro jogo, esta sequência faz um trabalho admirável ao introduzir novos pedaços em um ritmo constante e administrável. E ainda, tem logo na tela de início uma opção para que você revisite os eventos do jogo anterior, assim quem é marinheiro de primeira viagem pode aproveitar bem o jogo, talvez não com a mesma emoção ou visão, mas sem grandes perdas, e quem tem memória mais fraca pode revisitar alguns eventos. Claro, quem vem do jogo anterior é premiado com algumas falas, cenas e atitudes que passariam desapercebidas aos novos players, é quase um agradecimento ao jogador mais fiel da série, uma agrado, um carinho e alguns alívios cômicos aqui e ali muito bem vindos.

Você parece uma pessoa calma e racional. Você é… uma pessoa calma e racional?

O combate tem uma curva de aprendizado igualmente satisfatória, mesmo levando em consideração as novas opções de Kratos. As lutas ainda são agradavelmente viscerais, com um monte de novas animações para trucidar o inimigo e ataques inovadores e variados trazendo ainda mais peso a um sistema já vigoroso. Como foi o caso em 2018, a câmera é fixa, como em todo jogo da franquia, coisa que alias funciona muito bem, neste jogo a câmera em questão fica pendurada perto do ombro direito de Kratos, num estilo parecido com os RE a partir do IV até o VI, e tantos outros games por aí e, portanto, é fundamental acompanhar seus inimigos e garantir que você não esteja cercado, ou fixar a câmera neles apertando o R3 enquanto a luta durar.

Embora o combate não tenha visto nenhuma mudança significativa em nível basal, o aumento da variedade de inimigos desempenha um papel enorme em fazer Ragnarök parecer mais vivo, ameaçador e dar aquele passo extra. Novos tipos de criaturas são introduzidas o tempo todo (como já dissemos os mundos são REALMENTE únicos entre si) e, embora uma boa parte delas tenha sido reaproveitada do jogo anterior, um esforço claro foi feito para garantir que você não esteja apenas brigando com um grupo ligeiramente diferente de draugr (em nórdico antigo: draugr; em norueguês, sueco e dinamarquês: draugen), também conhecido como aptrgangr, literalmente "o que caminha de novo", ou "o que caminha depois da morte", é uma criatura classificada como um morto-vivo na mitologia nórdica) a cada cinco minutos.

E depois há as batalhas contra chefes. Uma falta geral de chefes foi uma das críticas mais comuns ao jogo anterior e, portanto, o Santa Monica Studio foi além com os grandes vilões desta vez. Existem mais chefes exclusivos nas primeiras dez horas de Ragnarök do que em todo o tempo de execução de God of War, e cada um deles é um destaque. Uma melhoria colossal. Fora os introduzidos por sidequests, desta vez não há do que reclamar.

Tudo o que eu lembro é o que perdi.

Falando sobre melhorias, o sistema de equipamento do primeiro jogo e o sistema de nivelamento são melhor implementados do que antes - mas ainda não estamos convencidos de que isso agregue algo de valor real à experiência. Para recapitular rapidamente, esta nova saga de God of War utiliza equipamentos que podem ser atualizados com materiais, com classificações de armas e armaduras contribuindo para o nível geral de poder de Kratos. Um nível mais alto significa que você pode enfrentar inimigos mais difíceis com maior facilidade, e há um sistema de atributos bem diverso para cada equipamento, o que dá um tom de RPG a esta parte do game, algo comum hoje em dia e muito bem introduzido e utilizado pela CDProjekt Red em The Witcher 3: Wild Hunt e pela saga Borderlands, da 2K, mas que na nova saga de Kratos realmente não faz tanta diferença, apesar dos esforços empreendidos pela equipe de design.

Esse sistema de grinding serve, essencialmente, como um motivo para retornar aos reinos visitados anteriormente, conquistando a vitória em lutas que antes eram intransponíveis. Em termos de design, você pode entender o raciocínio por trás disso, mas é estranho ver Kratos lutar contra um guerreiro morto-vivo normal porque seu nível é mais alto e sua barra de saúde tem uma cor diferente. Mesmo que o equipamento nivelado adicione uma sensação de progressão, ele simplesmente não se encaixa. Afinal, Kratos é a porcaria de um DEUS, e não só um Deus, ele é o Deus da mothafucking guerra, o cara que matou seres gigantescos, imensos, colossos, mitos, lendas e deuses, o cara que morreu e voltou de Hades na unha, sentando o braço em geral e chutando bundas pelo caminho, o cara que arrancou Poseidon de dentro da carruagem mágica e do avatar gigante dele na base da ombrada. Sério que um zumbi seria problema? O que acontece aqui? Ele tá com falta de proteína? Se podemos apontar uma falha, seria essa, mas nem isso atrapalha o jogo, e conversar com os irmãos Huldra é tão interessante, uma quebra tão bem vinda aos momentos mais pesados de narrativa, que essa suposta falha se torna divertida.

Não fazer nada é um risco também. Você me ensinou isso.

Felizmente, esse sistema não atrapalha o desenvolvimento da história principal, e com ele ou sem, você iria fazer as histórias secundárias do mesmo jeito, só pela iteração riquíssima dos personagens, ou pela lore super bem escrita e que realmente adiciona profundidade à obra. Na reta final do jogo, tínhamos recursos mais do que suficientes para equipar Kratos com equipamentos de alto nível várias vezes e, mesmo que você evite cada parte do conteúdo opcional, ainda receberá equipamentos capazes de ajudá-lo na campanha. Obviamente, você terá batalhas de nível um pouco maior, mais complicadas, mas é assim que é.

Aqui está outra reclamação: Ragnarok não é exatamente o espetáculo visual que queríamos. Não nos interpretem mal, este é um jogo extremamente bonito, mas argumentamos que isso se deve principalmente a direção de arte sublime, em oposição ao peso técnico do título (nosso reconhecimento e congratulações ao time de desing e ao Rafa Grassetti). Em outras palavras, você pode dizer que este é um lançamento entre gerações, melhor que o de 2018, mas longe, cremos, de atingir o pico que o PS5 pode suportar, e é absolutamente compreensível. God Of War 3 foi um jogo de encher os olhos à época, e foi feito depois de 4 anos de lançamento do console, por isso a equipe sabia melhor as limitações e como trabalhar no PS3, Ragnarök vem, lindo como é, apenas 2 anos após o lançamento do PS5, e ainda, adaptado à plataforma anterior, coisa que GoW3 não precisou, e nem tinha como, fazer.

Quanto ao framerate, os 60 quadros por segundo no PS5 são imaculados. Para nós, o modo de desempenho do jogo é o caminho a percorrer - a ação é boa demais para se contentar com menos - mas também há uma opção de 30fps em uma resolução 4K super nítida, se você estiver disposto a aceitar o golpe.

O suporte ao DualSense também merece ser mencionado. Ragnarök é fantástico de jogar no mais recente joypad da Sony, se valendo de todos os tipos de feedback tátil com base em suas ações. Dá ao combate ainda mais força e ajuda a vender os movimentos pesados e a força de Kratos ao atravessar os ambientes. Enquanto isso, as cenas podem ser aprimoradas com um estrondo, um som, um grunhido ou um barulho a mais proveniente do falante embutido no controle, trazendo maior enriquecimento à ambientação.

Conclusão

God of War: Ragnarök é fenomenal. Mesmo entre às produção tipicamente magníficas do Playstation Studios, é uma peça de destaque - um jogo criado com maestria que supera as expectativas em quase todos os momentos. Ragnarök é tão absurdo que faz God of War de 2018 parecer um prólogo - e esse talvez seja o maior elogio que podemos conceder a uma sequência.

Realmente não podem ser mensurados quantos momentos espetaculares ocorrem ao longo deste jogo. Desde o início até o clímax final, God of War: Ragnarök simplesmente não para de supreender. Cada parte da história principal é um deleite, com muitos destaques para escolher em cada estágio da narrativa, é impossível citar apenas um sem ser injusto com todo o resto. Não estamos falando apenas de grandes batalhas de cair o queixo ou grandes revelações de histórias - o jogo tem muitas delas - também estou falando sobre os momentos mais tranquilos.

Kratos e Atreus crescem como personagens e são cercados por um elenco expandido (e maravilhoso) de aliados e inimigos. Sem spoilers, algumas das nossas partes favoritas do jogo são apenas conversas. O jogo tem combates divertidos e muito espaço para explorar, mas acho que a cinemática, a escrita e a atuação roubam a cena, são as verdadeiras estrelas aqui, e o que dão o tom ao jogo como um todo. É um jogo imaculadamente apresentado que me manteve grudado na tela por horas a fio, quase que rezando para que não tivesse fim.

Embora esteja construindo sobre a base pré-existente - e extremamente sólida - do título anterior, você não deve deixar que isso diminua sua esperança ou lhe traga incertezas sobre Ragnarök. A jogabilidade é quase a mesma, com suas melhoras bem vindas e isso não é absolutamente ruim. No mais, esta sequência é direta, retomando o ponto de parada do jogo anterior, uma novidade bem vinda e que deixa o jogador com um sensação maior de continuidade.

Por fim, o que podemos falar é: jogue sem medo, segure suas emoções e aproveite a viagem, ela vale muito a pena.

E pelo amor de Deus, quando acabar o jogo, vá pra taverna do Raeb em Svartalfheim. Sério.

10

Esse só perde para Chrono Trigger...

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