Os corvos continuam a crocitar

Seja um Viking, tenha glórias... e bugs. Muitos bugs.
Imagine a cena: você e seu clã Viking, todos endurecidos pelas batalhas constantes, estão invadindo uma enorme fortaleza saxônica. Você destruiu o portão principal, despedaçou seus inimigos no pátio e agora está correndo em direção à torre central. Um rei degenerado espera lá dentro, cercado por seus melhores guerreiros - mas eles não vão impedi-lo, porque ao contrário de você, eles não estão prontos para Valhalla. Algumas defesas e ataques perfeitamente sincronizados dão o tom da batalha, e os corpos dos guardas, encharcados de sangue se espalham pelo chão. O déspota se levanta de seu trono para um último duelo. Ele luta decentemente, mas não é páreo para sua habilidade mais poderosa, que o deixa cambaleando. O que resta de sua saúde evapora quando você o golpeia até a submissão, e você é solicitado a finalizá-lo com um movimento especial. Todo o seu trabalho árduo está prestes a dar frutos - você passou as últimas oito horas libertando um reino inglês inteiro para chegar a este momento crucial - mas, infelizmente, ele desmaia no local. A animação que resultaria na morte do rei vencido ainda é reproduzida, no entanto, como se seu oponente ainda estivesse de pé - seu herói Viking triunfantemente empurrando sua lâmina no ar contra o nada.
O que deveria ter sido um momento de profunda satisfação e glória, de pura imersão, foi arruinado por mais um bug. Assassin's Creed Valhalla é provavelmente o jogo com mais erros que jogamos desde o desastre que foi Fallout 76.
Para ser claro, os bugs em Assassin's Creed Valhalla são principalmente cosméticos, mas estão absolutamente em toda parte. Você lutará para jogar por um longo período sem encontrar algum tipo de obstáculo visual, seja uma animação de personagem quebrada, uma textura faltando, um inimigo que fica parado sem fazer nada enquanto você esmaga seu crânio ou um barco ou arma ou item que some do nada, apesar da animação e dos comandos continuarem ali, disponíveis. Podemos lidar com as falhas estranhas do mundo aberto muito mais tolerantemente do que com esses pequenos bugs, os quais realmente começam a se acumular, a ponto de Valhalla parecer inacabado e lançado às pressas. Você, leitor, já ouviu, ou leu, isso em algum lugar antes, não é mesmo? Pois é.
Levaria muito tempo para listarmos todos os bugs que encontramos durante nosso tempo na alegre e velha Inglaterra, então aqui estão alguns destaques. Em uma missão secundária, salvamos a raposa de estimação de uma mulher de um prédio em chamas. A mulher estava gravemente ferida, mas ela foi capaz de dizer adeus a sua besta amada antes de subir no telhado, bater com as 9, ir pra terra do pé junto... enfim, antes de morrer. Uma cena tocante, que teria enchido meus olhos d'água, se não fosse por segundos depois ela ter se levantado e ficado lá olhando para nós como se nada tivesse acontecido, gritado algo e corrido para as colinas. E por conta da raposa simplesmente ter sumido da existência.
Noutra missão paralela, livramos a casa de uma família de um fedor horrível. Uma criança com voz irritante nos convenceu a remover os pertences rançosos de seu pai - a fonte do cheiro - mas ao relatar o trabalho concluído, essa mesma criança se esticou até o tamanho de um pequeno gigante, elevando-se sobre nosso personagem enquanto conversávamos. Nem mesmo sabemos como um bug como esse é possível, mas nosso único arrependimento é que não alcançamos o botão Share a tempo. Presumivelmente porque não podíamos acreditar no que estávamos vendo.
Agora, esse último bug pode parecer divertido - e reconhecidamente foi - mas nosso ponto é que Valhalla pode ser chocantemente violento, tem personagens carismáticos, uma história imersiva. E ter tantos bugs que te tiram o tempo todo da imersividade da experiência, ora, é uma grande, enorme vergonha, porque se você puder olhar além dos bugs, este é facilmente um dos melhores jogos de Assassin's Creed já feitos.

O êxodo norueguês
Em sua história e personagens, Assassin's Creed Valhalla está muito acima de seus antecessores. A narrativa em episódios anteriores, como Assassin's Creed Odyssey, parecia um pouco desconectada devido à enorme quantidade de mundo aberto entre você e o próximo ponto importante da trama. Mas aqui, há uma forte ênfase nas missões da história principal, e há muitas delas. É um esforço genuinamente impressionante que nos apresenta heróis cativantes e vilões brilhantemente desonestos e carismáticos, todos genialmente enredados em uma trama que envolve intriga política, segredos ocultos e acontecimentos históricos.
É a estrutura do jogo que permite que todos esses aspectos brilhem. Seu protagonista, um renomado guerreiro viking chamado Eivor (que como no jogo anterior, há a opção de se escolher o sexo do protagonista), navega da Noruega para a Inglaterra, graças à sequência de eventos dramáticos que acontecem durante o prólogo. Uma vez estabelecido em terras mais verdes, nosso herói tem a tarefa de forjar alianças com os muitos reis e chefes de clã de uma Inglaterra do século 9 fragmentada e devastada pela guerra. A história o guia de região para região, cada uma delas abrigando uma série de missões principais e tantas outras secundárias.
Cada reino é definido por seu próprio elenco de personagens e pela tarefa em mãos. Em uma região, você pode ter que ajudar um jovem príncipe a subir ao trono, eliminando a oposição. Em outro, você pode ter que unir os camponeses contra um clã Viking violento que está determinado a aterrorizar cidades e vilas. Embora a maioria das missões se reduza a matar um bando de bandidos aqui e acolá, elas recebem um contexto significativo por meio de uma escrita surpreendentemente boa e um elenco muito bem selecionado.
A apresentação da história não é perfeita graças a algumas animações truncadas e ao fato de que a maioria de nossos heróis nórdicos não consegue decidir sobre qualquer tipo de sotaque na versão em inglês. Na versão em português temos pequenas falhas de dublagem, mas no geral, temos uma localização sólida e bem feita, como vem sendo feito desde tempos recentes (e daquela dublagem duvidosa de MK) em jogos localizados para o Brasil. De todo modo, esta é a narrativa mais ambiciosa e envolvente que já adornou Assassin's Creed. Até a escolha do jogador tem mais peso, já que suas decisões podem ter consequências duradouras no país que você agora chama de lar.

A vila dos corvos e a aventura viking
E falando em lar, o assentamento de Eivor, Ravensthorpe (Vila dos Corvos, em homenagem ao clã a que Eivor pertence), está no centro de quase tudo o que você faz. É um aconchegante refúgio no campo ao qual você pode voltar a qualquer momento e desenvolver com os recursos que você saqueou em suas aventuras. É onde você conhecerá novos aliados, fará festas e refletirá sobre sua jornada. No que diz respeito a localizações de hubs em videogames, é um local muito bom e rapidamente se torna um lugar que você deseja ver prosperar, e onde você quer gastar uma boa parte de seu tempo.
O foco de Valhalla na história também significa que o mundo aberto não parece nem de longe tão simples como em outros jogos da Ubisoft. Pela primeira vez, o mapa não está completamente coberto por acampamentos de bandidos e outras atividades descartáveis. Em termos de design, parece muito mais orgânico e, independentemente de abrigarem um segredo atraente ou fornecerem o pano de fundo para a missão principal, a maioria dos locais tem personalidade e propósito. É claro que ainda há muito conteúdo opcional para descobrir, mas, novamente, esse é um refinamento notável da fórmula moderna de Assassin's Creed.
Mas e a velha fórmula? Bem, Valhalla aparece para agradar aos fãs descontentes que sentem que a série esqueceu suas raízes. Não se engane, este ainda é um RPG de mundo aberto na mesma linha de Assassin's Creed Origins e Odyssey, mas uma série de mecânicas tradicionais estão de volta. Mais notavelmente, Eivor recebe uma lâmina oculta no início, permitindo todos os tipos de estocadas e golpes furtivos. Existem também vilas e cidades onde os vikings simplesmente não são bem-vindos, então, se você quiser evitar derramamento de sangue, pode jogar uma capa com capuz sobre os ombros e se misturar aos civis para evitar a detecção. É o clássico Assassin's Creed, e não percebemos o quanto sentimos falta dele até este retorno triunfal de algumas de suas mecânicas. Sem falar nos personagens do oriente médio que ali estão e trazem ótimas lembranças aos fãs mais antigos da série.

Personalização de forma profunda
Há momentos, entretanto, em que o derramamento de sangue é inevitável. Afinal de contas, Eivor é um Viking obstinado que sonha com a glória manchada de sangue e com os salões de Valhalla, por isso você frequentemente participará de incursões e outras grandes batalhas onde a furtividade não é realmente uma opção. É aqui que o robusto sistema de combate do jogo entra na equação e, para ser franco, causa uma boa primeira impressão. Comparado com Origins e Odyssey, parece mais rígido e contextual, mas é algo com que você se acostuma em pouco tempo. Uma barra de resistência totalmente nova garante que você não pode simplesmente se esquivar e rolar até a vitória, forçando-o a lutar com compostura e paciência. Vemos emprestado um pouquinho da fórmula de combate da franquia Dark Souls aqui.
Inicialmente, o combate parece estar mal equilibrado. Os chefes tendem a ter uma quantidade enorme de saúde, e desbastar aquela grande barra parece um exercício entediante. Mas dê um tempo, e o sistema de combate começará a funcionar como deve, pouco a pouco. Os livros de habilidades espalhados pelo mundo aberto concedem todos os tipos de habilidades, enquanto uma ampla árvore de perícias permite que você compre tanto bônus de estatísticas passivos quanto golpes e vantagens importantes que se adaptarão ao seu estilo de jogo e build.
Além do mais, um sistema de saque revisado torna cada conjunto de arma e armadura único. Não há itens aleatórios aqui - cada peça de equipamento que você encontrar tem sua própria identidade, com estatísticas e encantamentos exclusivos. Encontrar um novo machado, uma grande espada ou um arco realmente faz que você sinta que está sendo recompensado por seu trabalho árduo, e você definitivamente vai querer vasculhar todo o mapa em busca de alguns dos equipamentos mais poderosos do jogo.
Eventualmente, levando tudo em consideração - habilidades, perícias e equipamentos - o sistema de combate encontra seu fundamento e evolui para algo muito satisfatório. Embora suas bases não sejam nem de longe tão sólidas quanto as que você encontraria em Ghost of Tsushima, é o nível de personalização oferecido que vende a ação de Valhalla. Quer você goste de estar atrás de um escudo resistente ou de empunhar um par de machados dinamarqueses mortais e ir pra cima com tudo, há opções para explorar e construir seu próprio estilo de combate.

E funciona?
Quanto à forma como o jogo funciona no PS4, estamos honestamente bastante impressionados - bugs à parte. Naturalmente, este é o título Assassin's Creed mais bonito até agora. Os campos verdes ondulados da Inglaterra e seus castelos imponentes foram lindamente recriados. Quando a iluminação está correta, é um jogo lindo, mesmo que o pop-in possa ser um pouco chocante quando se viaja em alta velocidade. Não há dúvida de que Valhalla ficará glorioso no PS5.
Mas você sabe o que não é glorioso? A história moderna de Valhalla. Isso mesmo, a primeira e única Layla Hassan está de volta, e ela ainda é uma personagem lamentavelmente branda e frustrantemente inconstante, para não dizer que é completamente sem sal. Felizmente, as coisas dos dias modernos estarão presentes por apenas uma pequena fração do tempo de execução geral do jogo, mas ainda serve para arrancar você da experiência sempre que mostrar sua cara feia - e nós queremos dizer 'feio' no sentido literal. Talvez por saber que será a parte menos tocada de todo o lançamento, a Ubisoft optou por modelos de personagens de aparência terrível e recursos borrados de baixa resolução sempre que você estiver no controle de Layla. Não sabemos se este é mais um bug, mas a diferença de qualidade visual entre o passado e o presente é acachapante.

Conclusão
Eles podem não quebrar o jogo como um todo, mas os incontáveis bugs visuais de Assassin's Creed Valhalla realmente atrasam a experiência e jogam contra a imersão no PS4. Eles dão ao título uma aspereza inescapável, questionando se ele foi feito para ser jogado no PS5 somente. Dito isso, se você puder olhar além das animações quebradas e falhas muitas vezes absurdas (e algumas vezes engraçadas), você encontrará um jogo incrível - sem dúvida um dos melhores em toda a série. Suas histórias e personagens estão totalmente acima dos jogos anteriores, e elevam o nível do título a outro patamar, enquanto seu mundo aberto parece refinado e incrivelmente bem feito. A condição em que o Valhalla foi lançado é uma vergonha terrível, ainda mais levando em consideração todas as partes boas não serem só boas, mas ótimas. Porém é algo que pode e deve ser consertado com patches futuros. Pelo menos é o que desejamos.
Este review foi possível graças a cópia do jogo para Playstation 4 gentilmente cedida a nós pela Ubisoft Brasil. O Review foi feito em um PS4 Pro. Não costumamos fazer reviews de jogos AAA com menos de 40h de jogo, sendo a opinião formada sobre este tempo de gameplay, no mínimo, cabendo revisão do texto se necessário. Ficam nossos agradecimentos e manifestação de estima mais uma vez à Ubi Brasil e sua equipe, sempre tão solicita e gentil. Vai UBI!